DADOS CLÍNICOS
Criança de 3 anos e 4 meses, 13,5kg, sexo masculino, negra. Prematuro de 32 semanas, com pé torto congênito, hérnias inguinal bilateral e umbilical, além de evidente abaulamento em hemitórax esquerdo. Aos 10 meses, foi observada adoção de posição de cócoras e sopro cardíaco, os quais motivaram encaminhamento ao cardiologista, sendo diagnosticada cardiopatia congênita e orientado tratamento cirúrgico. BEG, corado, hidratado, dispnéico aos pequenos esforços, cianótico +/6. Tórax assimétrico com abaulamento à esquerda, ictus cordis palpável no 4º espaço intercostal à esquerda, ritmo cardíaco regular em dois tempos, bulhas normofonéticas, com sopro sistólico ejetivo +/6 em borda esternal esquerda média alta. Ausculta pulmonar normal. Abdome com fígado no rebordo costal direito, cicatrizes de herniorrafia bilateral. Pressões arteriais e pulsos normais nos quatro membros, extremidades inferiores com cicatrizes nos pés, saturação periférica de 89%.
ELETROCARDIOGRAMA
Ritmo sinusal, freqüência de 125 bpm. ÂP 0, ÂQRS + 60°, intervalo PR 0,16s, QTc 0,52s, QRS 0,08s. Sem sinais diretos de sobrecarga atrial ou ventricular.
RADIOGRAMA
Situs solitus visceral. Deformidade da caixa torácica, com 11 arcos costais à direita e 8 à esquerda, falha de fusão do 1º e 3º arcos costais à esquerda. Curvatura do eixo torácico para direita e lombar para a esquerda. Índice cardiotorácico de 0,64, com proeminência das câmaras direitas. Sinais de arco aórtico à direita, com pequeno deslocamento da traquéia para esquerda. Pequena diminuição da trama vascular pulmonar melhor observada na periferia. Arco médio pouco escavado. Alargamento com retificação do mediastino à esquerda. Opacidade hilar à direita, superior à silhueta cardíaca direita (Figura 1).
ECOCARDIOGRAMA
Situs solitus em levocardia, ventrículo direito hipertrófico e dilatado, com estenose infundibular de grau importante, gradiente entre o ventrículo direito e tronco pulmonar de 77 mmHg. Comunicação interventricular perimembranosa de via de entrada do ventrículo direito, dextroposição da aorta, com cavalgamento inferior a 50%. Valva pulmonar, tronco e artérias pulmonares com diâmetros satisfatórios. Arco aórtico à direita e presença de veia cava superior esquerda persistente drenando em seio coronário.
DIAGNÓSTICO
O ecocardiograma diagnosticou tetralogia de Fallot, esclarecendo aspectos anatômicos e orientando para o tratamento cirúrgico, porém não demonstrou a justaposição dos apêndices atriais à direita, o que era sugerido pela imagem radiológica, mas trata-se de diagnóstico raro e extremamente difícil, quando não se está habituado às cardiopatias congênitas.
OPERAÇÃO
Toracotomia transesternal mediana, instalação de circulação extracorpórea com uma cânula arterial e três venosas (duas veias cavas superiores e uma inferior), hipotermia a 28ºC, cardioplegia sangüínea anterógrada intermitente hipotérmica a 4oC. Após abertura do saco pericárdico, notou-se presença do apêndice atrial esquerdo justaposto ao apêndice atrial direito e ao átrio direito (Figura 2), configurando justaposição de apêndices atriais à direita. Aberto o tronco da artéria pulmonar, visibilizou-se a valva pulmonar com características normais e a estenose da via de saída do ventrículo direito, a qual foi ressecada. A comunicação interventricular foi corrigida de forma habitual através do átrio direito, com pontos separados e placa de pericárdio bovino. Os tempos de perfusão e de isquemia miocárdica foram de 134 e 111 minutos, respectivamente. No pós-operatório imediato, apresentou discreto derrame pleural à direita e insuficiência cardíaca grau funcional I (NYHA), tratada com furosemida 3 mg/kg/dia. Alta hospitalar no 6º dia. O ecocardiograma ambulatorial após uma semana revelou boa função ventricular, ausência de derrame pericárdico, pleural e de lesões residuais. Fica claro que a presença de justaposição dos apêndices atriais à direita é diagnóstico incomum previamente à operação, porém não proporciona dificuldades técnicas para correção através do átrio direito e do tronco pulmonar, como realizado rotineiramente na tetralogia de Fallot [1].

Fig. 1 - Radiograma de tórax. A: opacidade hilar superior à silhueta cardíaca direita, sugestiva do apêndice atrial esquerdo justaposto ao direito. B: alargamento com retificação do mediastino à esquerda, provavelmente devido à presença da veia cava superior esquerda persistente

Fig. 2 - Apêndice atrial esquerdo (seta) justaposto à direita, superiormente ao apêndice atrial direito
REFERÊNCIA
1. Giannopoulos NM, Chatzis AK, Karros P, Zavaropoulos P, Papagiannis J, Rammos S et al. Early results after transatrial/transpulmonary repair of tetralogy of Fallot. Eur J Cardiothorac Surg. 2002;22(4):582-6.
Serviço de Cirurgia Cardiovascular Pediátrica de São José do Rio Preto - Hospital de Base - Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto.