Maurício de Nassau Machado
DOI: 10.5935/1678-9741.20120002
A cirurgia de revascularização miocárdica é um procedimento utilizado e aceito amplamente para o tratamento da doença arterial coronária e, apesar das décadas de evolução e aprimoramento, persiste em contínuo desenvolvimento técnico, proporcionando ao paciente recuperação mais rápida e redução de comorbidades e mortalidade. A utilização de condutas e tratamentos baseados em evidências consistentes e a colocação em prática de protocolos de atendimento com implementação de diretrizes têm se mostrado aliadas da prática clínica e benéficas aos pacientes como um todo. Porém, apesar dos avanços conquistados pela medicina moderna, muito há que se fazer para se testar novas hipóteses ou questionar antigos conhecimentos, tantas vezes considerados definitivos. Essa necessidade de reavaliação periódica de condutas e protocolos, aliada à inquietude e ao espírito questionador do médico pesquisador, alavanca avanços consideráveis na medicina que são independentes de sua magnitude ou alcance.
A avaliação nutricional pré-operatória e o seu seguimento pós-operatório têm incrementado os resultados dos pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos. A prevenção de aspiração gástrica e a demonstração de segurança na administração de líquidos enriquecidos com carboidratos e/ou proteínas têm mudado o manuseio préoperatório dos pacientes. Além disso, a presença cada vez mais marcante de estudos demonstrando maior conforto e benefício ao paciente nos direcionam na busca de evidências que suportem a eficácia da estratégia [1,2]. Durante as últimas décadas, uma série de estudos foi publicada abordando o jejum pré-operatório, com resultados promissores e com publicações de diretrizes como a da sociedade europeia de anestesiologia [3]. Mais do que a redução do tempo de jejum preconizado, essas diretrizes passaram a encorajar a ingesta de líquidos sem resíduos (água, sucos sem polpa ou mesmo chá e café) até duas horas antes do procedimento eletivo, com algumas restrições para parto cesáreo [3-5]. Alguns membros dos guidelines consideram a possibilidade de adição de leite ao chá ou café, não ultrapassando 20% do volume total; porém, as evidências quanto à segurança dessa prática ainda carecem de estudos mais conclusivos [6,7]. Bebidas feitas predominantemente de leite devem ser consideradas como sólidas [3].
A ingesta de líquidos sem resíduos, enriquecidos ou não com carboidratos, assim como o esvaziamento gástrico foram testados em vários estudos [2,8,9]. O uso de carboidratos permitiu uma pronta resposta insulínica, semelhante à que ocorre após ingestão de uma refeição [3] e o oferecimento de líquidos com adição de maltodextrina (não necessariamente todos os carboidratos), mesmo para pacientes diabéticos, se mostrou seguro até 2 horas antes da cirurgia, melhorando o bem-estar do paciente e reduzindo a sensação de fome e sede, além da resistência insulínica pós-operatória [10].
Intervenções na dieta representam área promissora e atrativa para o período perioperatório. A permissão de ingesta de líquidos sem resíduos, enriquecidos ou não com carboidratos, tem se focado na segurança, efeitos metabólicos, bem-estar perioperatório e permanência hospitalar pós-operatória [3].
O aumento de pesquisas na área da cirurgia cardíaca como a do artigo de Feguri et al. [11], "Resultados clínicos e metabólicos da abreviação do jejum com carboidratos na revascularização cirúrgica do miocárdio", e o aprofundamento dos conceitos brevemente descritos têm ótimo potencial terapêutico, em decorrência do baixo custo e da fácil implantação na prática diária.
REFERÊNCIAS
1. Hausel J, Nygren J, Lagerkranser M, Hellström PM, Hammarqvist F, Almström C, et al. A carbohydrate-rich drink reduces preoperative discomfort in elective surgery patients. Anesth Analg. 2001;93(5):1344-50. [MedLine]
2. Järvelä K, Maaranen P, Sisto T. Pre-operative oral carbohydrate treatment before coronary artery bypass surgery. Acta Anaesthesiol Scand. 2008;52(6):793-7. [MedLine]
3. Smith I, Kranke P, Murat I, Smith A, O'Sullivan G, Soreide E, et al. Perioperative fasting in adults and children: guidelines from the European Society of Anaesthesiology. Eur J Anaesthesiol. 2011;28(8):556-69. [MedLine]
4. Maltby JR, Sutherland AD, Sale JP, Shaffer EA. Preoperative oral fluids: is a five-hour fast justified prior to elective surgery? Anesth Analg. 1986;65(11):1112-6. [MedLine]
5. Soreide E, Eriksson LI, Hirlekar G, Eriksson H, Henneberg SW, Sandin R; (Task Force on Scandinavian Pre-operative Fasting Guidelines, Clinical Practice Committee Scandinavian Society of Anaesthesiology and Intensive Care Medicine), et al. Pre-operative fasting guidelines: an update. Acta Anaesthesiol Scand. 2005;49(8):1041-7. [MedLine]
6. Hutchinson A, Maltby JR, Reid CR. Gastric fluid volume and pH in elective inpatients. Part I: coffee or orange juice versus overnight fast. Can J Anesth. 1988;35(1):12-5.
7. Maltby JR, Reid CR, Hutchinson A. Gastric fluid volume and pH in elective inpatients. Part II: coffee or orange juice with ranitidine. Can J Anaesth. 1998;35(1):16-9.
8. Kaska M, Grosmanová T, Havel E, Hyspler R, Petrová Z, Brtko M, et al. The impact and safety of preoperative oral or intravenous carbohydrate administration versus fasting in colorectal surgery: a randomized controlled trial. Wien Klin Wochenschr. 2010;122(1-2):23-30. [MedLine]
9. Nygren J, Thorell A, Jacobsson H, Larsson S, Scchnell PO, Hylén L, et al. Preoperative gastric emptying. Effects of anxiety and oral carbohydrate administration. Ann Surg. 1995;222(6):728-34. [MedLine]
10. Ljungqvist O, Thorell A, Gutniak M, Häggmark T, Efendic S. Glucose infusion instead of preoperative fasting reduces postoperative insulin resistance. J Am Coll Surg. 1994;178(4):329-36. [MedLine]
11. Feguri GR, Lima PRL, Lopes AM, Roledo A, Marchese M, Trevisan M, et al. Resultados clínicos e metabólicos da abreviação do jejum com carboidratos na revascularização cirúrgica do miocárdio. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2012;27(1):XX-XX. Visualizar artigo